Adeus, Ozzy!

 

Ozzy Osbourne: Acima de tudo um ícone do heavy metal

Por Kako Ramos

Hoje, 22 de julho de 2025, o mundo se despede de uma entidade musical que atravessou décadas, estilos, polêmicas e revoluções culturais. Ozzy Osbourne morreu aos 76 anos, cercado pela família e por uma legião de fãs que, como eu, aprenderam a ver na música não apenas entretenimento, mas como uma forma de existir.

Não é fácil escrever sobre alguém que, mesmo sem saber da minha existência, influenciou diretamente minha trajetória musical. Ozzy não era apenas um vocalista de uma banda clássica — ele era um artista único e inconfundível. Um símbolo de tudo que é visceral, imperfeito, intenso e, acima de tudo, verdadeiro. Sua voz característica e sua postura no palco não eram apenas performance: eram a tradução de uma alma inquieta que nunca se conformou com as próprias limitações (era disléxico) e teve diversos problemas de saúde devido ao uso de drogas e suas atitudes extremas.


⚡ O nascimento do metal e o ato inaugural

John Michael Osbourne nasceu em Birmingham, Inglaterra, em 1948. A cidade industrial, cinzenta e marcada pela dureza da vida operária, foi o berço do que viria a ser o som mais pesado da história até então. Em 1969, junto com Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, Ozzy fundou o Black Sabbath, banda que redefiniu os limites do rock e deu origem ao heavy metal como gênero.

O disco homônimo de estreia, Black Sabbath (1970), foi um divisor de águas. Com riffs densos, letras sombrias e uma atmosfera quase ritualística, a banda inaugurou uma estética que influenciaria gerações. Na sequência viriam Paranoid, Master of Reality, Volume 4 e Sabbath Bloody SabbathParanoid, War Pigs, Iron Man, Sabbath Bloody Sabbath — cada faixa era uma martelada contra o conformismo musical da época e influenciaria músicos de diversos estilos, nacionalidades e épocas.

Ozzy, com sua voz carregada de angústia e teatralidade, tornou-se o rosto do medo, da provocação e da liberdade artística que contrapunha o movimento flower power tão em voga na época para oferecer uma alternativa sombria, barulhenta e inovadora. E isso, para mim, sempre foi mais importante do que qualquer técnica vocal ou produção refinada.


🧨 A queda e o renascimento

Em 1979, Ozzy foi expulso do Black Sabbath por conta de seu comportamento induzido abuso de substâncias e crises de estrelismo. Para muitos, aquilo seria o fim tanto do Madman como do próprio Sabbath. Mas, felizmente para ele e para a história do rock, foi o início de uma nova era. Com o apoio de Sharon Osbourne, sua esposa e empresária, Ozzy lançou Blizzard of Ozz (1980), álbum que trouxe os clássicos Crazy Train e Mr. Crowley — faixas que, até hoje, são hinos do metal.

A parceria com o guitarrista Randy Rhoads elevou sua música a um novo patamar. A fusão entre técnica e caos, entre virtuosismo e desordem emocional, fez com que Ozzy se tornasse não apenas um sobrevivente, mas um ícone renovado.

Ao longo dos anos 1980 e 1990, vieram álbuns como Diary of a Madman, Bark at the Moon, No Rest for the Wicked e No More Tears. Este último, lançado em 1991, trouxe baladas como Mama, I'm Coming Home e a autobiográfica Road to Nowhere, mostrando que até o “Príncipe das Trevas” tinha seus momentos de vulnerabilidade. Porém, a faixa título se tornaria um clássico do estilo, mesmo que nos últimos tempos tenha sido abolida de seus shows.

Embora tenha desenvolvido uma parceria de sucesso com Zakk Wilde, que substituíra com louvor o guitarrista original de sua banda solo, a perda trágica de Randy Rhodes e os novos direcionamentos musicais da indústria fizeram com que Ozzy lançasse trabalhos irregulares a partir dos anos 2000.


🕯️ Entre demônios e redenções

A carreira e a fama de Ozzy Osbourne nunca foram apenas sobre música. Elas foram construídas sobre uma narrativa. Sobre criar um personagem que flertava com o oculto, com o grotesco, com o absurdo — e ainda assim, manteve uma humanidade comovente em sua trajetória. O episódio em que mordeu a cabeça de um morcego no palco, achando que era de borracha, virou lenda. Ou quando arrancou a cabeça de uma pomba no escritório de uma gravadora. Mas por trás da bizarrice, havia um artista que entendia o poder da imagem, da teatralidade e da provocação sonora.

Nos anos 2000, com o reality The Osbournes, Ozzy se tornou uma figura pop e um tanto patética. O roqueiro sombrio virou o pai atrapalhado, o marido carinhoso, o homem que tentava lidar com os próprios fantasmas enquanto criava filhos em meio ao caos doméstico. E isso, para mim, foi uma das maiores provas de sua autenticidade: ele nunca tentou esconder quem era, mas também um esforço demasiado para afastar as lendas de seu em torno.


🎙️ O último ato

Nos últimos anos, Ozzy enfrentou problemas sérios de saúde, incluindo o diagnóstico de Parkinson. Mesmo assim, lançou álbuns como Ordinary Man (2020) e Patient Number 9 (2022), mostrando que sua voz ainda carregava o peso de uma vida vivida no limite, embora estivesse já longe daquilo que foi seu auge como artista.

Em 5 de julho de 2025, fez seu último show em Birmingham, sua cidade natal. Sentado em um trono preto, sem a vitalidade de outrora, mas com a mesma entrega emocional, cantou War Pigs, Iron Man e Paranoid. Foi sua despedida dos palcos — e, como agora sabemos, da vida.


🖤 O legado que fica

Ozzy Osbourne não foi apenas um músico. Foi um símbolo de resistência artística, de autenticidade crua, de coragem para ser estranho, imperfeito e intenso. Ele vendeu mais de 100 milhões de álbuns, foi introduzido duas vezes no Rock and Roll Hall of Fame (como artista solo e com o Black Sabbath), ganhou Grammys, estrelou reality shows, criou o festival Ozzfest e influenciou incontáveis artistas.

Mas, acima de tudo, ele foi alguém que viveu a música como quem vive uma religião — com fé, sacrifício e transcendência.


Hoje, ao escrever este texto, não sinto tristeza. Sinto gratidão. Porque se hoje eu componho, gravo, erro, recomeço e insisto, é porque figuras como Ozzy me mostraram que a arte não precisa ser perfeita — ela precisa ser verdadeira.

Descanse em paz, Ozzy.
E que o som da sua voz continue ecoando nos porões, nos palcos e nos corações de todos que ainda acreditam que a música pode salvar uma existência destinada ao fracasso.

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