Porque a letra vem primeiro

 

Em postagens anteriores, falei sobre a busca por uma identidade artística e o reconhecimento da própria história. Embora essas publicações possam parecer independentes, considero a segunda uma continuação natural da primeira — seu complemento.

Admiro profundamente artistas que constroem sua arte a partir da estética ou da técnica. Nem preciso citar nomes: eles estão espalhados por todas as minhas referências ao longo dos anos. No entanto, ao revisitar minha discografia autoral — especialmente com In Pace, Waiftown e Heavinna — percebo que essas motivações, por si só, não bastam para que eu me conecte verdadeiramente com minhas próprias composições.

Não é uma questão de técnica, produção ou estilo. O que falta é identificação genuína — uma base sólida que represente quem eu sou. Por muito tempo, acreditei que o problema estivesse na minha voz, ou nas diferentes fases em que compus as músicas que hoje estão nos serviços de streaming. Mas entendi que isso tudo são nuances de gosto pessoal, não de identidade artística.

A verdade é que, até recentemente, eu não conseguia me conectar comigo mesmo durante o processo de composição.

Essa percepção começou a mudar quando alterei minha abordagem: passei a compor a partir da letra

O primeiro fruto dessa mudança foi a música Batismo, depois renomeada O Anjo Caído. Inspirado por leituras sobre a origem do universo e pela educação cristã que recebi, escrevi versos rimados sobre o tema de Gênesis, e só depois construí a harmonia, os riffs, os interlúdios e os solos ao redor do texto. A música nasceu rapidamente — e, pela primeira vez, soou coerente para mim.

Antes disso, meu processo era o oposto: pegava a guitarra, improvisava riffs inspirados nos artistas que admiro, e a partir de um fragmento promissor, construía o restante. Era natural, mas muitas vezes genérico — ou até imitativo. Em minha defesa, quase todo músico começa assim. Formamos bandas para imitar nossos ídolos, e eu não fui exceção.

Hoje, entendo que o que faltava era comunicação. Se música é linguagem, ela precisa dizer algo. E esse “algo” não pode ser apenas uma inspiração estética ou uma memória sonora — porque a memória engana. A gente acha que está criando algo novo, quando na verdade está apenas repetindo o que já ouviu.

Minha arte precisa contar uma história. Precisa ter texto, palavras que expressem minha verdade. Mesmo quando instrumental, minha música deve carregar um enredo, um sentimento, uma ideia. Não quero mais compor no vazio. Quero compor a partir de mim.

É das minhas experiências, emoções e vivências que deve nascer a música. Só depois vêm os riffs, os solos, as orquestrações. Como uma trilha sonora que acompanha um filme, minhas composições precisam remeter ao que conheço, ao que vivi, ao que me atravessa. Só assim serão verdadeiras. Mesmo que não sejam inéditas, carregarão a essência que me define como artista e como pessoa.

Nos próximos textos, pretendo explorar tecnicamente os conceitos que embasam essa nova fase — especialmente minha tese sobre os ciclos existenciais dos seres humanos, que uso como referência para me situar historicamente dentro da minha própria arte.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Broken

Adeus, Ozzy!

Mais um recomeço