A forma perfeita de se comunicar


Quando uma pessoa consegue completar o processo que consiste em contemplar, sentir, interpretar, interiorizar e expressar algo — como uma paisagem, um fato ou algo gerado pela imaginação — de tal forma que outra pessoa consiga apreender com maior precisão o que lhe foi transmitido, ela pode se considerar alguém que realmente sabe se comunicar.

Entretanto, entre o objeto a ser transmitido e a percepção de um terceiro, existe um oceano de possibilidades de ruídos e obstáculos que podem truncar, distorcer e até mudar radicalmente aquilo que originalmente se quis compartilhar. Sendo assim, não basta ter habilidade de oratória, síntese ou precisão retórica: quem receberá a informação precisa estar atento e ser culturalmente compatível com quem a transmite. Imagine um japonês tentando informar um russo sobre conceitos complexos em seu idioma nativo.

Exageros à parte, o parágrafo acima busca esclarecer que a comunicação depende de diversos fatores e que a linguagem extrapola as palavras de um determinado idioma e a capacidade de comunicação dos indivíduos. Esta exposição visa levantar questões referentes à comunicação verbal — mas imagine o quão complexo é se comunicar por meio da arte, mais especificamente da música.

O intuito deste texto é levantar possibilidades e questões referentes a essa linguagem chamada música e ao quanto um compositor enfrenta barreiras na hora de expor seu trabalho. Nesse sentido, parece que regredimos ao longo dos últimos dois séculos. Por mais que os movimentos populares tenham marcado gerações e utilizado a música como ferramenta de divulgação, parece que cada indivíduo passou a interpretar as mensagens que recebia de forma particular e distinta dos demais.

Foi pensando nessa dificuldade de comunicar a arte que considerei inverter o fluxo artístico, que teoricamente seria de dentro para fora, buscando criar de fora para dentro. Ou seja, ao invés de expor ao mundo o que trago em minhas entranhas, decidi expor o que o mundo exterior influencia em mim, em minha personalidade.

Por essa perspectiva, tudo passou a fazer mais sentido — ao menos artisticamente — pois a busca pelas reações interiores às influências externas, embora mais sutis, complexas e mutáveis, traz consigo a originalidade tão necessária àqueles que criam. É como olhar para o espelho, em vez de buscar o que há do lado de fora de uma janela. Porém, o ser humano “virado do avesso” consegue ser mais amplo e complexo que o universo inteiro.

Por mais paradoxal que possa parecer, quanto mais investimos recursos na busca por compreender a nós mesmos, mais abertos às outras pessoas acabamos nos tornando. Essa inversão de polos transforma aquilo que poderia ser repelente em algo atraente.

Por essa visão, comunicar-se acaba sendo permitir que as pessoas entrem — e não tentar refletir aquilo que elas esperam de nós. Traduzindo para uma linguagem mais palatável: é mais fácil gerar empatia mostrando o que há dentro de nós de forma honesta e objetiva do que tentar expor aquilo que acreditamos que as pessoas querem receber.

Quando derrubamos certas barreiras conceituais e olhamos para o interior de nós mesmos — procurando os ecos, manchas, resíduos e cicatrizes daquilo que veio de fora — temos a matéria-prima ideal para iniciarmos o processo de contemplação do que nos tornamos. Deixamos fluir os sentimentos, interpretamo-los, digerimo-los e, então, por meio de nossa capacitação técnica, conseguimos expressá-los da melhor forma possível.

A habilidade comunicativa se faz necessária apenas na hora de criar aquilo que será transmitido: o texto, a imagem, o som. Todo o restante do processo é fisiológico e interno. Portanto, aquilo que estudamos — teoria musical, técnicas de execução de um ou mais instrumentos, leitura, escrita, design, marketing etc. — representa uma parte muito pequena do todo que estamos buscando construir quando criamos arte.

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