Realização
🎸 Entre o Som e o Silêncio: Uma Jornada Musical de Quase Cinco Décadas
Por Paulo Kako Ramos
Ao longo da minha jornada de quase cinco décadas, tive inúmeras oportunidades de conviver com pessoas pelas quais cultivei um carinho imenso. Mesmo que hoje não mantenha contato com muitas delas — por desencontros, distanciamentos ou rupturas inevitáveis — essas relações deixaram marcas profundas. Foram parte de um contexto que fez minha vida valer a pena, pelas lembranças que carregam.
Curiosamente, a mentalidade dessas pessoas era muito parecida com a minha em relação ao futuro: havia um consenso silencioso de que viver era trabalhar em um emprego enfadonho ou extenuante, receber um salário e “existir de verdade” apenas nos finais de semana, nas férias ou na aposentadoria. O que me diferenciava, talvez, era a crença de que essa rotina não seria permanente. Eu confiava que minha paixão pela música me levaria além — que ela seria a ponte para transcender barreiras financeiras, culturais e emocionais.
Sempre que ensaiava com uma banda, fazia uma apresentação ou gravava algo, sentia como se estivesse antecipando um prêmio guardado em algum ponto do futuro. Era como se cada acorde fosse um bilhete de loteria emocional — uma aposta naquilo que realmente fazia sentido pra mim.
Mas essa fé começou a vacilar quando adoeci e percebi que nem o dinheiro nem a fama que eu acreditava que a música me traria haviam chegado. Aos 22 anos, voltei a estudar à noite, enquanto trabalhava durante o dia e ensaiava nos fins de semana. Concluí o ensino médio aos 25 e segui o protocolo familiar: prestei concurso público, entrei numa estatal e lá permaneci por quase 15 anos.
Para muitos, isso era uma conquista admirável — inclusive para aquele grupo citado no início. Mas para mim, mesmo com uma carreira administrativa bem conduzida, aquilo era apenas um emprego. O verdadeiro entusiasmo, o regozijo genuíno, só se manifestava quando havia música envolvida.
É claro que momentos como o casamento e o nascimento da minha filha elevaram meu espírito. Mas essas emoções são universais, independem de esforço individual. Já a música — e a arte como um todo — é um movimento mais complexo, mais solitário. Poucos entenderiam o valor simbólico de ainda ter a primeira guitarra que comprei. Mesmo não gostando das músicas que escrevi até hoje, o ato de tirar uma composição do nada, arranjá-la, gravar cada instrumento, mixar e masterizar... isso talvez eu não trocasse por nenhum salário alto, casa luxuosa ou carro importado.
Hoje, com 47 anos, posso olhar para trás e ver que aquele neto da dona Lúcia e do seu Lauro, que se encantou com os irmãos da igreja tocando violão no louvor, realmente trilhou um caminho musical. Mesmo que a In Pace, Waiftown, Shekinnah e Heavinna não tenham se tornado o novo Metallica ou Iron Maiden, sei o quanto essa capacidade de fazer música me reconforta e muda meu status — de mim para mim mesmo.
Talvez ninguém se lembre que um dia escrevi, gravei e lancei músicas como Guerra, Mãos Nuas e tantas outras. Mas o universo teve que se virar do avesso para que eu conseguisse executar esse trabalho da forma que faço hoje. A digitalização da música, o acesso às tecnologias de gravação e os serviços de streaming tornaram possível algo que antes era impensável. Se alguém pesquisar por Heavinna em qualquer plataforma, encontrará meu trabalho lá. Isso, dentro do meu círculo íntimo, já é uma vitória. Prova que venci o meio, fui além das expectativas e continuo avançando — agora como universitário estudando música.
Mas para que este texto não soe arrogante, mesmo que sutilmente, preciso admitir: sou o maior responsável por não ter consolidado uma carreira musical. Falhei em aspectos fundamentais. Sabotei o processo. Nunca me dediquei integralmente à música como se fosse minha única opção. Perdi oportunidades por falta de confiança, fui prepotente ao recusar trabalhar com artistas de estilos diferentes, confiei em um mito que nunca investi para tornar real — e, principalmente, procrastinei.
Sim, não gosto de muitas músicas que escrevi. Mas isso não seria um motivo válido para não tê-las divulgado. Quem me conhece sabe que eu poderia ter lançado quatro ou cinco álbuns completos desde que formei a In Pace em 1998. Basta vasculhar meu canal no YouTube para ver a infinidade de músicas e versões que disponibilizei.
E para ilustrar tudo isso, deixo abaixo as faixas que resgatei da internet — quase na íntegra — com as cinco composições que saíram no CD demo da In Pace, lá no longínquo ano de 2000.
🎧 Porque às vezes, o que não virou sucesso virou história. E essa história é minha.
E se ela tocar alguém, mesmo que por um instante, já valeu a pena.
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