Devaneios de consciência
Eis que sentimos a angústia de quem perde um ente querido. A dor da impotência invade o corpo quando tentamos, em vão, reverter o inevitável. O ar parece insuficiente para encher os pulmões, enquanto as paredes se fecham como se quisessem nos esmagar. Sufocamos à espera de uma morte que nunca chega, como se ela fosse a única libertação possível. A mente nos trai. O que vemos não é real — ou talvez seja, mas não conseguimos compreender. Estamos expostos à própria sorte, cada vez mais falha, cada vez mais traiçoeira.
Buscamos refúgio em músicas antigas, em lembranças distantes, tentando extrair algum prazer que justifique uma existência tão dolorosa. Tentamos estreitar os poucos laços que temos, na esperança de que alguém compartilhe nossa dor. Valorizamos o que não importa, apenas para dar sentido aos dias de agonia. Fantasiamos uma vida melhor, mesmo sabendo que essas ilusões duram pouco. E quando se desfazem, nos resta apenas o vazio.
Nossas vidas tornaram-se bizarras. Somos caricaturas de uma espécie à beira da extinção. Criamos uma cultura que nos ensinou a enxergar nossa própria futilidade. Onde está o diabo com sua proposta sedutora? Onde está Deus com seu alívio prometido? Acreditar no que não existe não engana os sentimentos, nem nos piores momentos. Nossa falta de fé é tão racional que passamos a crer que a felicidade é apenas uma tolice de um coração embriagado e de uma mente carente.
Apreciamos a arte porque sabemos que os artistas são tão infelizes quanto nós. Criamos obras tentando compensar a ausência de beleza no mundo — e fracassamos. Agora que compreendemos um pouco da nossa doença, o que resta? Haverá um fim digno para esse drama? Será que tirar a própria vida seria uma forma de controle? Nossas paixões são breves e frágeis diante do desejo intenso de que tudo acabe. Como podemos ser tão brilhantes em potencial e, ao mesmo tempo, conviver com sorrisos falsos e feitos medíocres?
Será essa a sublimação do intelecto? Compreender um mundo que só nos faz querer destruí-lo? Entediamos nossos amigos com nossas lamentações, esperando que sintam pena. Mas que se danem com seus sorrisos cínicos e sua falsa solidariedade. A hipocrisia é evidente. Invadem nossas casas, roubam nosso tempo, fingem afeto. Quando falam bem de nós, é porque não nos conhecem — ou são bajuladores. Toleram nossa presença porque não suportam a própria solidão.
Mas nós trabalhamos. Sim, nos prostituímos por alguns trocados para sustentar vidas sem sentido, enquanto os que pouco fazem enriquecem. Procriamos para perpetuar nossa raça maldita e transmitir nossas lamúrias de geração em geração. Criamos leis para burlá-las, para provar nossa falta de ética e nosso caráter corruptível. Que belos animais somos: destruímos nosso habitat para provar o quanto somos evoluídos. Extinguimos espécies porque nos consideramos superiores. Cultuamos uma tecnologia inútil e celebramos bens indispensáveis que não servem para nada.
E a beleza? Passageira, superficial, fonte de inveja e cobiça. Somos menos que egoístas. Somos um vírus que suga a terra até que ela esteja morta. Não há honestidade no ser humano, exceto sua própria futilidade. Dizemos coisas belas para obter prazeres sórdidos. Vestimos roupas elegantes para esconder uma essência grotesca. Talvez essa consciência seja a mãe de todo sofrimento. Talvez a culpa seja o único sentimento honesto que ainda podemos sentir.
Vamos admitir: não há salvação para nossas almas — elas simplesmente não existem. Não há perdão para nossos crimes, pois são apenas formalidades inventadas por nós mesmos. Vamos parar de implorar por redenção. Nossos pecados são apenas sintomas de uma existência doentia, reflexo da nossa origem animal. Vivemos pelas leis que criamos, temos fé nas crenças que inventamos para justificar qualquer esperança. Nossas paixões são irracionais, patéticas. Na melhor das hipóteses, são apenas medo da solidão. E a família? Uma bela desculpa para suportar pessoas tediosas que só nos trazem problemas.
Mas ainda há o que ser feito. Sim. Ainda há muito a roubar, muitas pessoas para enganar, muitas coisas para destruir. Vamos pôr um sorriso no rosto e sair por aí sendo nós mesmos. Nossa missão ainda não está completa. Há beleza a ser corrompida, mentiras a serem ditas, anos de demência pela frente. Ainda não conseguimos nos humilhar e destruir completamente. Mãos à obra. Amanhã será mais um dia.

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