Enxergando o óbvio
Uma das maiores dificuldades do ser humano é enxergar o óbvio. Talvez aí resida a origem de grande parte de seu sofrimento: a necessidade de complicar, fantasiar e distorcer aquilo que está diante dos olhos. É raro encontrar alguém com uma linha de pensamento clara e racional, pois o homem já nasce confuso — uma herança genética, talvez. Seu desejo pelo supérfluo chega a ser constrangedor quando comparado às coisas realmente relevantes para sua existência. Não consegue tomar decisões simples sem longas reflexões e, ainda assim, costuma escolher a pior opção possível. Desejar se tornou hábito, mas planejar e agir para conquistar o que se ambiciona continua sendo exceção. Aos poucos, o indivíduo absorve as leis, os gostos e os pensamentos dos outros porque não conhece a si mesmo. Vive à sombra dos que o cercam, incapaz de sustentar sua própria vontade, abandonando ideias racionais por falta de apoio externo.
O filósofo chinês Lao Tsé escreveu pensamentos simples e óbvios: um copo só pode ser cheio até a borda, nem uma gota a mais; paredes e telhado só têm sentido por causa do espaço que delimitam. Sínteses da razão que, no entanto, são ignoradas. Em seu lugar, prevalece a sugestibilidade às ideias populares, transformadas em verdades incontestáveis por mentes medíocres. É mais fácil comprar as ideias de um grupo do que sustentar as próprias diante de argumentos contrários. Muitos se dizem tolerantes às diferenças, mas vivem preocupados em agir conforme os critérios impostos pelo grupo ao qual desejam pertencer. A dificuldade em impor-se diante de opiniões divergentes nasce da timidez, da insegurança ou da displicência. Falta clareza para expressar ideias, falta coragem para enfrentar o desconforto, falta confiança em si mesmo.
Somos bizarros e irracionais, e isso é incontestável. Ainda assim, seguimos filosofias absurdas que se tornaram populares. Para cada ideia descabida amplamente difundida, existe uma teoria racional e relevante que deveria ser considerada, mas que é marginalizada por ir contra a opinião dominante. O homem evoluiu pela experiência e pela observação — pilares da ciência —, mas esses hábitos caíram em desuso. É mais fácil confiar em informações prontas do que experimentar viver pelas próprias ideias.
A arte, o estudo e o debate são fundamentais, mas só se justificam quando aplicados na prática. Criou-se o mito de que o acúmulo de literatura é sinal de grande cultura. Mas de que vale mergulhar em romances e viver uma vida vazia? Nenhum texto, por mais bem escrito, substitui a experiência vivida. Tornamo-nos confusos, superficiais e submissos, incapazes de imaginar uma vida diferente da atual. Reclamamos das injustiças, da violência e dos males do mundo moderno, mas esquecemos que este é o mundo que construímos. Ele reflete nosso descaso, nossa apatia, nossa forma de pensar e agir. Se não somos cúmplices diretos da desordem, somos culpados por nos omitirmos diante do óbvio.
Se tivéssemos equilíbrio para viver de acordo com nossas reais necessidades, se nos conhecêssemos a ponto de encontrar nosso espaço, se compreendêssemos onde termina nossa liberdade e começa a dos outros, poderíamos reduzir excessos e corrigir distorções. Poderíamos construir uma sociedade heterogênea, justa e igualitária. Mas isso permanece como sonho, como devaneio. Enxergar o óbvio é também reconhecer que vivemos em um mundo condizente com nossas ações e pensamentos, em harmonia com nossas próprias filosofias.
E para encerrar, deixo uma frase batida e óbvia: não podemos mudar o mundo em que vivemos, mas sempre podemos mudar a nós mesmos.

Comentários
Postar um comentário