Filosofia, Linguagem e a Alma da Composição

 

Por volta de 2017, iniciei um curso online de filosofia com o intuito de desenvolver habilidades complementares aos meus estudos artísticos. A motivação era clara: enquanto músicos investem tempo e dinheiro em aprimoramento técnico — participando de fóruns, mentorias, aulas e consumindo toneladas de conteúdo especializado — percebi que havia um vazio quando o assunto era conteúdo autoral.

Esse investimento técnico resulta, sem dúvida, em versatilidade, precisão e segurança na execução de peças complexas. Muitos desses instrumentistas se tornam virtuoses reconhecidos. No entanto, quando decidem escrever suas próprias músicas, frequentemente expõem uma certa infantilidade conceitual ao abordar temas como ficção científica, esoterismo, espiritualidade, política ou psicologia. O resultado? Obras que, embora tecnicamente impecáveis, soam rasas — servindo mais como portfólio para futuras gigs ou agradando apenas a outros músicos. Os exemplos são abundantes.

Admiro profundamente muitos desses artistas, e reconheço o quanto contribuíram para o trabalho de terceiros. Mas, em alguns momentos, me vi trabalhando com pessoas que tratavam a temática das letras com desdém. Alguns optavam por escrever em inglês, escondendo limitações sob frases de efeito recicladas. Outros, escrevendo em português, se contentavam com rimas vazias, sem sentido. Nesse aspecto, os que seguiram carreiras puramente instrumentais conseguiram contornar essa armadilha — mas, para mim, essa arte soa estéril, artificial, sem alma.

Foi então que decidi mergulhar na filosofia. Comecei a acompanhar o trabalho de pensadores contemporâneos e a estudar suas técnicas de construção teórica. Não é necessário citar nomes, pois o que absorvi foi um amálgama de práticas. Mas uma coisa ficou clara: a chave da filosofia é a linguagem.

E quando falo de linguagem, não me refiro apenas ao idioma, mas ao modo como ele é usado nas subculturas locais, aos estereótipos sociais de seus falantes, e à carga emocional e espiritual que as palavras carregam. A literatura, nesse contexto, torna-se o princípio elementar da filosofia. Nossas experiências são limitadas, mas o contato com grandes obras literárias expande o imaginário — e é nesse espaço que a filosofia floresce.

Mas por que essa “disciplina” não é acessível a todos?
Porque exige dedicação à leitura, à expansão da mente, ao cultivo do imaginário. Não basta consumir histórias que jamais viveríamos — é preciso desenvolver a linguagem para além do cotidiano. E, nesse processo, ser fluente em dois ou mais idiomas amplia ainda mais o campo de ação. É como preparar um vasto terreno para cultivar uma diversidade de plantações. Saber a palavra certa a ser dita ou escrita em cada contexto é uma habilidade rara — e até invejável.

À medida que o universo se abre para quem consome a chamada “alta cultura”, ele também se expande em múltiplas direções. Desenvolvemos a capacidade de comunicar com exatidão o que pensamos, sentimos e experienciamos. E isso transforma qualquer arte que produzimos: ela se torna direta, objetiva, contundente e honesta.

Por isso, como escrevi na postagem anterior, a letra vem antes da música. Porque a música é uma linguagem — diferente do idioma, mas não separada dele. A letra de uma canção não é um texto técnico que termina em si. Ela é uma semente que se expande ao ser plantada no imaginário de outra pessoa. Os acordes, timbres, arranjos e melodias são a rega, o adubo, a embalagem e o formato final de uma ideia que nasceu na linguagem e foi cultivada com intenção.

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